domingo, 30 de setembro de 2012

Açucena




Há anos que Açucena, bela morena de longos cabelos encaracolados e olhos expressivos como se estivessem sempre à procura de uma resposta, havia deixado a sua cidade natal.
Ela era pequenina quando mudou para a capital com seus pais. Aliás seu pai, o bancário Sr. Jardim, batalhou muito por esta transferência. Mudar daquele lugar precário e distante, significava a possibilidade real de poder dar melhores oportunidades de educação à filha.
Na distante cidade, lá no meio das montanhas e depois de muitas curvas e lombadas da longa estrada, ficou a avó, dona Dalva, e as lembranças de uma infância vivida.
Primeiro os novos compromissos do novo cargo do pai, depois os compromissos escolares da pequena, depois o tempo que passa freneticamente, fez com que a tal cidadezinha ficasse ainda mais longe e longe.
Açucena cresceu, e a vovó envelheceu e adoeceu. Somente no drama da situação foi possível se dar conta da realidade: o tempo, muito tempo, tinha se passado.
De repente Açucena se viu ali, dentro do carro, vencendo todas aquelas curvas e lombadas da estrada, sem saber ao certo para onde ou a quem estava indo visitar. A esta altura, quem era exatamente a vovó que ela estava indo encontrar? Não havia mais a menor sintonia entre elas. Imagine se iria dar para dormir juntas na mesma cama... E que descabido era imaginar-se ceiar com a avó, tomando o leitinho com biscoitos da noite... Só faltava a cena de poder dormir enrolada com aquela echarpe fofinha que tinha sido da bisavó! Tudo parecia tão ridículo, sem lugar. E sobre o que elas iriam, afinal, conversar?
As nove horas que separavam as duas cidades, e que antes pareciam uma barreira secular, passaram rapidamente.
Açucena estava ali: na frente da casa da antiga casa da avó. 
Muito incomodada, teve que entrar sozinha no quarto de dona Dalva, que repousava.
Seus olhares se encontraram assim que a porta se abriu. Uma cadeira vazia, ao lado da cama, parecia enfadada de tanto esperar a visita que viria nela sentar.
Ela respirou fundo, e sentou-se ao lado da cabeceira da cama. 
Tentando parecer natural, sorriu para a avó e olhou para o teto, quase como se procurasse uma núvem e poder dizer: “_Será que vai chover?” 
Ao olhar para cima, o delicado lustre de margaridas chamou a sua atenção para o todo. Uma moldura de gesso com delicados galhos com pequenas folhagens, contornava os quatro cantos. Dali, um papel de paredes com delicados desenhos de madresilvas azuis,  descia e quase beijava o pavimento de madeira, enfeitado por passadeiras antigas, com cenas de um jardim florido.
Açucena agitou-se, porque nunca havia, na sua infância, reparado na riqueza daqueles detalhes. Quanta informação havia ficado para trás. De repente a infância, o passado, e o presente finalmente se encontravam. No meio, ficou o tempo perdido a ser recuperado. Então Açucena disse: “_Vó, nunca tinha reparado que o seu quarto pareceia um jardim!”
Dona Dalva sorriu e disse: “_ Jardim, como nosso sobrenome, Açucena.  Aliás, você sabe o porque de você se chamar Açucena?”
Açucena achava que seu nome era indígena daqui do Brasil. Provavelmente alguma heroína tupiniquim, assim como tem a Pocahontas nos Estados Unidos.
Na verdade, explicou a avó, seu nome foi escolhido por ela, que sempre adorou flores, em especial o lírio. 
Dona Dalva contou que o lírio, ali no interior era chamado de "Açucena", um nome feminino, muito mais adequado para uma flor. E para ela, o som da palavra lembra o açucar, que lembra o branco, que lembra a pureza. E todo mundo sabe que ela sempre foi muito devota da Virgem Maria. A flor da Virgem é o lírio, ou Açucena, que também segundo os preceitos do Feng Chui simboliza o verão, a fartura, o amor eterno e a pureza. 
E isto vinha de longe, porque até na Grécia antiga, haviam encontrado pinturas de lírios dedicadas a Deusa Hera. Aliás, numa passagem meio complicada da mitologia grega, o leite que o herói Hercules mamou quando lactante, derramou-se e acabou por formar a Via Láctea no céu e os lírios na terra.
E Dalva se chamava assim por causa da famosa estrela do mesmo nome. Estava tudo interligado: leite, Via Láctea, a estrela Dalva, os lírios, o céu, a terra.
E por aí seguiu a conversa e a tarde, entre taças de chá de camomila e fatias de bolo de fubá com semente de erva-doce.
Entre flores e outras de outras cores, Açucena resgatou o tempo. E as diferenças das distâncias se apagaram no vento.
Dormiram juntas, ao som dos contos da avó, logo após o leitinho quente do fim da noite...
De presente, Açucena ganhou a echarpe que costumava dormir quando criança.
Agora ela se lembrou como era: de crochê, com aplicações de pequenas rosas coloridas, é claro!
Um puríssimo final feliz...


domingo, 23 de setembro de 2012

Paixão



Vermelho intenso
Calor ardendo
Dia e noite, noite e dia
Dominando seu pensamento

A realidade me confunde
Me sinto dentro do filme
Acendo a todo o momento
Como se fosse vagalume

Sinto o cheiro, o perfume

Ele está sem estar
Prisão psicológica
Não quero me libertar

Um turbilhão
Ao mesmo tempo tranquilidade
Amor vermelho
Ai que vontade...



sábado, 22 de setembro de 2012

Flor e Poesia







segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Callas




Se chamava Maria.
Levava uma vida, pode-se dizer, branca, branda, imaculada.
Fantástica, era um copo-de-leite
Dedicada, estudiosa, comportada e milimétricamente perfeita.
Austera e determinada, mas claramente insegura.
Agarrava-se ao que estava dentro do seu domímio, e provava controlar seu próprio destino. Perigosa busca do não sofrer.
Casou-se com o óbvio, onde não haviam riscos, onde os sentimentos não tinham cores.
Sua afetividade era toda em branco.
Mas o destino não é meu, não é seu, não é dela.
E vieram as cores. Maria se apaixonou de verdade.
E o sentimento forte, intenso, colorido, carnal a devorou.
Maria mergulhou naquele mar e se deixou finalmente navegar.
Como uma criança que nunca tivesse experimentado chocolate, se lambuzou até a dor.
Destino descontrolado chamado paixão, que ela não queria que acabasse nunca mais.
Mas acabou.
E Callas deixou de enxergar qualquer cor na vida. 
E murchou.


Minha visão resumida da fantástica cantora lírica Maria Callas, que morreu do amor
As fotos são da flor chamada "Calla", ou "copo-de-leite colorido". 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sybil e Dorian



Podia ser Maria e João,  Monica e Eduardo, Eva e Adão...
Se conheceram por acaso, ninguém apresentou.
Seus olhares se cruzaram no meio do nada e o tudo se fez.
O olhar cândido de Sybil traduziu imediatamente o desejo vindo de seu admirador.
Invadida pelo desejo, ela mordeu seu tão vermelho lábio inferior.
Dorian sorriu, como um vencedor.
Sybil, para não desmair, baixou o olhar.
Era o encontro da timidez com a audácia.
Sybil amava Dorian e Dorian amava Sybil.
Quando não estavam se beijando, se acariciando, era porquê não estavam juntos fisicamente.
Apesar da atração física, Dorian, que não recusava um desafio, decidiu viver o romance da maneira mais tradicional possível. E pediu Sybil em casamento.
Sybil imediatamente aceitou, e começou a aprender a passar, cozinhar, bordar, pintar e todas tantas outras coisas tradicionais.
Dorian, facinado pela idéia do casamento, escolheu a igreja mais antiga da região para a esperada celebração. Escolheu os copos-de-leite mais perfeitos para enfeitar a pequena capela, e decidiu por cobrir toda a nave por onde passaria a noiva de pequenos e delicados jasmim-limão.
E foi muito longe buscar os músicos e instrumentos musicais à altura do seu sonho.
Passava os dias a preparar o grande dia, mas ao cair da tarde ia sempre para os braços de sua Sybil.
O esperado dia das núpcias se aproximava. E exatamente na noite precedente, ao chegar na casa de Sybil, encontrou esta com um sorriso arteiro e qualquer surpresa que escondia dentro de uma linda caixa de cetim, a qual batia ansiosamente com suas delicadas mãos.
Dorian sentiu um inexplicável arrepio invadir o seu corpo. Apreensivo, não sabia ao certo se queria ou não saber o que tinha ali dentro.
Sybil pouco se importava. E com o mesmo sorriso e aquela mordidinha no lábio do primeiro encontro, ela abriu a tampa da caixa.
Simultâneamente, puxou de dentro um delicado e longuíssimo véu ricamente bordado com pequenos cristais, brilhantes como seus olhos.
Dorian, ao entender do que se tratava, deu um grito de terror. Afinal, conta a tradição, que o noivo ver o vestido da noiva, ou parte deste, antes do matrimônio, é fonte certa de profunda má sorte para o casal.
Mil imagens vieram à cabeça de Dorian. Morreria Sybil momentos antes da cerimônia ou um incêndio no fantástico hotel da lua-de-mel acabaria com a história dos pombinhos antes mesmo do seu começo? E se...
Sybil, percebendo a situação, ainda tentou se justificar, explicando que enquanto Dorian passava dias e dias preparando o grande evento, ela havia bordado o delicado véu. E nada mais justo que ele fosse o primeiro a vê-lo. 
Dorian estava arrasado, e não conseguia superar a idéia de que aquele era o começo do fim.
Deveria desistir de tudo. Basta. Basta. Basta.
Era o fim. Sybil tinha estragado tudo.
Este fato ocorreu na Inglaterra, faz muitos anos.
Sim, Sybil e Dorian se casaram, apesar do ocorrido. Afinal, ele já tinha pago antecipadamente  a maioria dos fornecedores.
Sybil se tornou uma famosa artista teatral, visto a sua capacidade de representar. Imagine que até a cena do véu era pura mentira dela. Sybil não sabia bordar...nem passar, nem costurar, nem cozinhar. Era quase dissimulada, mas só para conquistar de vez Dorian, que ela amava de verdade.
Dorian acabou por seguir Sybil, que precisava do seu apoio para poder dedicar-se a sua carreira. Dorian  passou a cuidar da casa, da comida e das crianças.
Eles tiveram três lindos filhos: Henry, Basil e James. 
Três filhos para uma atriz pode parecer muito, mas lembrem-se que Dorian era muito ligado às coisas tradicionais, e uma família numerosa faz parte de tudo isto.
Formavam uma família maravilhosa e harmoniosa.
E naquela casa, ainda hoje se pode ver na parede da sala principal o imenso quadro pintado quando todos ainda eram muito jovens. 
Ele retrata aquela família pouco convencional e, simultâneamente, tradicional.
E feliz, muito feliz.

Com carinho, para Maria Clara, inspirado no Romance "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde (Inglaterra,1891), o qual sugiro imensamente a leitura.